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Presidência da República |
DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
Processo nº 00688.000608/2014-66. Parecer nº AM - 01, de 9 de abril de 2019, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 233/2019/GAB/CGU/AGU, o Parecer nº 00020/2019/DECOR/CGU/AGU do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União. Aprovo. Publique-se para os fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Em 9 de abril de 2019.
PROCESSO
ADMINISTRATIVO Nº:
00688.000608/2014-66
INTERESSADOS:
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
ASSUNTO:
REVISÃO PARCIAL DO PARECER AC-12
PARECER Nº AM - 01
ADOTO, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00233/2019/GAB/CGU/AGU o anexo Parecer nº 00020/2019/DECOR/CGU/AGU e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.
Em 09 de abril de 2019.
ANDRÉ LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA
Advogado-Geral da União
DESPACHO nº 00233/2019/GAB/CGU/AGU
NUP:
00688.000608/2014-66
INTERESSADOS: ESTADO DE SANTA CATARINA (SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA)
ASSUNTOS: Parcial revisão do Parecer AC-12
Aprovo o Parecer nº 20/2019/DECOR/CGU/AGU do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União.
Submeto à apreciação do Exmo. Senhor Advogado-Geral da União para que, em sendo acolhida, seja encaminhada à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os fins dos art. 40, § 1º, e art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
Brasília, 15 de março de 2019.
ARTHUR CERQUEIRA VALÉRIO
Advogado da União
Consultor-Geral da União
PARECER n. 00020/2019/DECOR/CGU/AGU
NUP: 00688.000608/2014-66
INTERESSADO: Consultoria-Geral
da União.
ASSUNTOS: Revisão
parcial do Parecer nº AC-12.
Direito Eleitoral. Condutas vedadas aos agentes públicos. Repasse de transferência voluntária. Obra ou serviço em andamento. Cronograma prefixado. Possibilidade. Necessidade de início da execução física do objeto antes do período defeso.
I - O art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, veda que o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, comprometa a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade e normalidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros.
II - Nos três meses que antecedem o pleito é vedada a liberação de transferência voluntária, na forma da alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, ressalvando-se, no entanto, a possibilidade jurídica de repasse caso haja obrigação formal preexistente e cronograma prefixado para consecução de obra ou serviço, desde que a execução física do objeto tenha se iniciado anteriormente ao defeso eleitoral.
III - Parcial revisão do Parecer nº AC-12, de maneira a fazer prevalecer o entendimento de que para a legalidade do repasse de transferência voluntária no curso do defeso eleitoral não basta a previsão de obrigação formal preexistente e de cronograma prefixado, uma vez que o efetivo início da execução física da obra ou serviço é condição legal que deve ser cumulativa e necessariamente observada, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
Cuida este feito de exame acerca da possibilidade de parcial revisão do Parecer AC-12, que trata da interpretação do art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504, de 1997, o qual determina que, nos três meses que antecedem as eleições, é vedada a “transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública”.
A Procuradoria-Geral da União exarou a Nota nº 749/2018/PGU/AGU (seq. 11), externando, em ligeiríssima síntese, o entendimento no sentido de que, para os fins da alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, as operações de crédito também são abarcadas pela vedação legal, uma vez que o caput do art. 73 da Lei das Eleições protege a igualdade de oportunidades para os candidatos ao pleito, de maneira a combater a assimetria de oportunidades patrocinada pelo repasse de recursos públicos.
No que se refere à escorreita interpretação da expressão legal “obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento”, entende a Procuradoria-Geral da União, na esteira de precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que não são vedados atos preparatórios ao início da execução das obras ou serviços, incluindo a assinatura dos convênios e empenho dos respectivos recursos, uma vez que a legislação veda a efetiva transferência ou repasse da verba, aclarando, ainda, que não estão vedadas as transferências caso a execução do objeto pactuado no convênio ou instrumento congênere tenha sido iniciada antes do defeso eleitoral.
Remetido o feito ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União/DECOR/CGU, foi exarada a Nota nº 28/2018/DECOR/CGU/AGU (seq. 14), na qual, em resumo, foi consignado que o atual posicionamento do DECOR/CGU (Parecer nº 49/2015/DECOR/CGU/AGU) está em consonância com o entendimento da Procuradoria-Geral da União e do Tribunal Superior Eleitoral, sugerindo-se sua submissão ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República para fins de parcial revisão do Parecer AC-12, especificamente no que cuida da interpretação da expressão “obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento” posta na alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei das Eleições.
É o relatório.
O presente pronunciamento jurídico encontra respaldo no art. 40, § 1º, e no art. 41, ambos da Lei Complementar nº 73, de 1993, uma vez que compete ao Advogado-Geral da União elaborar pareceres, ou aprovar pareceres da Consultoria-Geral da União, e submetê-los à apreciação do Exmo. Senhor Presidente da República, os quais, se aprovados e publicados no Diário Oficial da União, possuem efeito vinculante para toda a Administração Pública Federal.
Na espécie, diante da hodierna e consolidada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, cuida o feito de análise acerca da possibilidade de parcial revisão do Parecer nº AC – 12, aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República e disponível no sítio eletrônico da Advocacia-Geral da União (http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/8432).
Trata-se, essencialmente, de exame acerca da escorreita interpretação do que dispõe a alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei das Eleições – Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que disciplina as condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais e proíbe que, nos três meses que antecedem o pleito, sejam realizadas transferências voluntárias da União para os Estados e Municípios, sob pena de nulidade.
O objeto deste Parecer cuida justamente da melhor exegese a ser conferida a uma das exceções legais da regra geral de vedação de realização de transferência voluntária no curso do defeso, uma vez que a Lei das Eleições ressalva expressamente a possibilidade de realização do repasse dos recursos em duas hipóteses: situações de emergência e de calamidade pública; e nos casos de recursos “destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado”.
Do Parecer nº AC-12
Ao interpretar a ressalva legal que admite a realização de transferências voluntárias, mesmo no curso do defeso eleitoral, nos casos em que o repasse se destina a cumprir obrigação formal preexistente voltada para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma previamente determinado, o r. Parecer nº AC – 12 fez prevalecer o entendimento no sentido de que não necessariamente deveria haver prévia execução física do objeto para que fossem admitidos os repasses, bastando que o cronograma de execução pactuado possuísse previsão de que o objeto deveria ter sua execução iniciada antes dos três meses que antecedem o pleito.
Como é cediço, o art. 116 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que cuida das normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, estabelece que aos convênios, acordos, ajustes e demais instrumentos congêneres se aplicam, no que couber, as disposições do § 1º do mencionado dispositivo, segundo o qual a celebração de convênios e instrumentos congêneres depende de prévia aprovação de plano de trabalho, que deverá conter, dentre outros elementos: “as etapas e fases de execução”, o “plano de aplicação dos recursos financeiros”, o “cronograma de desembolso” e a “previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas”.
Neste sentido, fiando-se no comando posto no inciso VI do § 1º do art. 116 da Lei nº 8.666, de 1993, embora tal disposição não tenha sido explicitamente referenciada na manifestação, conclui o Parecer nº AC-12 que eventual previsão no cronograma de execução pactuado no convênio ou instrumento congênere, que preveja o início da execução do objeto antes do defeso, é condição bastante para se aplicar a ressalva legal de que cuida a alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, não sendo, por conseguinte, relevante para fins de liberação dos recursos a aferição do efetivo início da execução física da obra ou serviço.
Em apertada síntese, sustenta o Parecer nº AC-12 que a partir da pactuação em cronograma de execução e desembolso que indique a previsão de início de obra ou serviço antes do defeso deve a Administração presumir que tal previsão foi ou está a ser cumprida pelo convenente, sob pena de pressupor-se “fato ou circunstância que a lei não contempla”.
Para melhor compreensão, reproduz-se, em sua estrita literalidade, trechos das razões postas no Parecer nº AC-12:
15. Sendo verdadeiro que é necessária a existência formal do convênio ou contrato até noventa dias antes da eleição, é sistematicamente certo que todos os requisitos legais e formais anteriores à obra ou serviço estarão atendidos, de modo que a execução da obra ou serviço é no mínimo uma conseqüência administrativamente necessária, lógica e tão legítima como os atos que os determinaram.
16. Em rigor, aliás, a obra ou serviço regularmente contratado deverá ser obrigatoriamente executado não havendo nenhum impedimento para tanto, a dizer que se não executados conforme contratados ou conveniados, ao contrário, existirá irregularidade. Portanto, se existir acerto administrativo até o dia limite há presunção lógica de obra ou serviço em andamento. Conclusão diversa acaba pressupondo fato ou circunstância que a lei não contempla como regra e implica suposição negativa a demandar justa prova, até porque a lei não dá, no dispositivo referido, nenhuma indicação disso.
17. Com esse espírito, a interpretação que verte da regra em estudo só pode ser a que tolera a idéia de que obra ou serviço em andamento não é só a que está fisicamente em andamento, mas também a que vai estar, no tempo próprio e na forma compatível, em execução conforme as praxes e costumes da época e da natureza respectiva.
...
21. A solução que se oferece, portanto, não pode ser outra que considerar obra ou serviço em andamento como aquela que, regularmente pactuada antes da data limite, está em andamento ou deveria ou poderá estar em andamento de acordo com o cronograma prefixado segundo as praxes usuais da construção ou prestação respectiva, sendo excessiva a exigência da necessária verificação física dos trabalhos.
...
25. Por isto, a interpretação que parece mais correta é a que tolera a possibilidade de obras ou serviços que, conquanto regulares e obedientes ao cronograma estabelecido, ainda não estejam em andamento fisicamente verificável na data limite para as transferências voluntárias de que trata o art. 73, VI, letra a, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.
Registre-se, por oportuno, que o Parecer nº AC-12 reproduziu e adotou parte das conclusões da Nota nº 2004/AGU/CGU/SFT-0026/2004, a qual tratou de outros assuntos afetos ao defeso eleitoral, consolidando que:
a) a vedação de realizar transferência voluntária de recursos para os Estados se aplica inclusive no caso de eleições exclusivamente municipais;
b) há respaldo jurídico para formalização de atos preparatórios à realização das transferências voluntárias, como a assinatura e publicação do convênio no defeso, desde que haja cláusula explícita no sentido de admitir a liberação dos recursos apenas após o decurso do período vedado;
c) as operações de crédito, definidas no art. 29, inciso III, da Lei de Responsabilidade Fiscal, sujeitam-se ao disposto no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504, de 1997.
Aclare-se, portanto, que esta manifestação não trata das demais conclusões do Parecer nº AC-12, que adotou o entendimento da Nota nº 2004/AGU/CGU/SFT-0026/2004, versando este Parecer tão somente acerca da revisão da interpretação da ressalva da alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, que admite a possibilidade de liberação de recursos de transferências voluntárias nas hipóteses em que haja “obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado”.
Observa-se, por conseguinte, que o entendimento consolidado por meio do Parecer nº AC-12 e objeto deste exame é aquele que resguardou a possibilidade jurídica de efetivo repasse de transferências voluntárias de recursos financeiros no decorrer do período defeso, caso o plano de trabalho pactuado entre os partícipes do convênio ou instrumento congênere tenha previsão de início da execução da obra ou serviço antes dos três meses que antecedem o pleito eleitoral, dispensando que seja objetivamente aferido o efetivo início da execução do objeto, uma vez que, segundo o Parecer nº AC-12 é suficiente que sejam verificadas as condições e datas pactuadas no cronograma de execução que integra o plano de trabalho.
Das condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais
A Constituição Federal de 1988 delimitou, dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, a soberania e a cidadania, dispondo logo no seu art. 1º que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.
A cidadania, inclusive, resta constitucionalmente assegurada pela gratuidade dos atos necessários ao seu regular exercício (art. 5º, inciso LXXVII, da CF/1988), protegida também por meio do manejo de mandado de injunção (art. 5º, inciso LXXI, da CF/1988), sendo que as políticas públicas voltadas para a Educação devem necessariamente visar o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205 da CF/1988).
Os direitos políticos, por sua vez, restam constitucionalmente protegidos pela previsão do sufrágio universal e do voto direto, secreto, universal e periódico, com igual valor para todos, nos precisos termos do art. 14 da Carta Magna, a qual, inclusive, eleva o direito ao voto como cláusula pétrea no § 4º do seu art. 60, ao lado dos preceitos da federação, separação dos Poderes, e dos direitos e garantias individuais.
Eventual violação dos direitos políticos, outrossim, é qualificada pelo texto constitucional como uma das espécies de crime de responsabilidade que podem ser imputados ao Chefe do Poder Executivo (art. 85, inciso III, da CF/1988), sujeito a julgamento perante o Senado Federal (art. 52, inciso I, da CF/1988), estando no mesmo patamar de violações a outros pilares igualmente caros ao Estado Democrático de Direito, como “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”; a “probidade da administração”, e a “segurança interna do País”.
É inolvidável, outrossim, que na forma do § 9º do Art. 14 da Constituição Federal, lei complementar deve disciplinar os casos de inelegibilidade, visando proteger a “probidade administrativa”, a “moralidade para o exercício de mandato” e a “normalidade e legitimidade das eleições”, sendo que este último axioma, ainda segundo referenciado dispositivo constitucional, deve ser resguardado contra a “influência do poder econômico” e o “abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta e indireta”.
Verifica-se, por conseguinte, que há expressa preocupação constitucional não apenas com a periodicidade do regular exercício dos direitos políticos, notadamente do direito ao voto secreto e direto, mas também é reconhecida a possibilidade de que os ocupantes dos cargos políticos se valham das estruturas estatais para auferir indevida vantagem na disputa eleitoral, daí a expressa previsão de proteção ao bem jurídico consubstanciado na “normalidade e legitimidade das eleições” contra abusos porventura cometidos por aqueles que estão no exercício de funções, cargos e empregos na Administração Pública.
É inconteste que os serviços públicos, notadamente aqueles essenciais para o regular convívio em sociedade e necessários para a satisfação das necessidades básicas da população, não podem sofrer solução de continuidade. Nestes termos, no curso das campanhas eleitorais as atividades administrativas não podem ser descontinuadas ou interrompidas, no entanto, neste sensível período eleitoral, cuja passagem incólume de abusos de autoridades é premissa da democracia, os agentes públicos devem exercer suas competências sem prejuízo do pleno resguardo da lisura e legitimidade do pleito. Sobre a configuração do abuso do poder político e a continuidade da prestação de serviços públicos, segue elucidativo precedente do Tribunal Superior Eleitoral:
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97. DISTRIBUIÇÃO DE BENS. TABLETS. PROGRAMA ASSISTENCIALISTA. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONTINUIDADE DE POLÍTICA PÚBLICA. ABUSO DE PODER POLÍTICO. DESVIO DE FINALIDADE. BENEFÍCIO ELEITORAL. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.
1. Na espécie, a distribuição de tablets aos alunos da rede pública de ensino do Município de Vitória do Xingu/PA, por meio do denominado programa "escola digital", não configurou a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 pelos seguintes motivos:
a) não se tratou de programa assistencialista, mas de implemento de política pública educacional que já vinha sendo executada desde o ano anterior ao pleito. Precedentes.
b) os gastos com a manutenção dos serviços públicos não se enquadram na vedação do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. Precedentes.
c) como os tablets foram distribuídos em regime de comodato e somente poderiam ser utilizados pelos alunos durante o horário de aula, sendo logo depois restituídos à escola, também fica afastada a tipificação da conduta vedada, pois não houve qualquer benefício econômico direto aos estudantes. Precedentes.
d) a adoção de critérios técnicos previamente estabelecidos, além da exigência de contrapartidas a serem observadas pelos pais e alunos, também descaracterizam a conduta vedada em exame, pois não se configurou o elemento normativo segundo o qual "a distribuição de bens, valores ou benefícios" deve ocorrer de forma "gratuita". Precedentes.
2. O abuso do poder político caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros, o que não se verificou no caso. No ponto, a reforma do acórdão recorrido esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.
3. Recurso especial eleitoral desprovido.
(Recurso Especial Eleitoral nº 55547, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 21/10/2015, Página 19-20)
Nestes termos, o art. 73 da Lei das Eleições estabelece um rol de condutas e posturas que são vedadas aos agentes públicos, sejam ou não servidores públicos efetivos, uma vez que, na forma do § 1º do referenciado dispositivo, são agentes públicos para os seus fins “quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional”.
Na forma da lei, são proscritas medidas “tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos aos pleitos eleitorais”. Por conseguinte, resta vedada a utilização da máquina administrativa estatal para favorecer ou prejudicar determinado candidato, tudo em prol da garantia de isonômicas condições para a disputa eleitoral, protegendo-se, assim, a incolumidade do processo político-social de formação do convencimento acerca do voto.
Aclare-se que, na esteira de precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, a mera prática dos atos arrolados no art. 73 da Lei das Eleições representa conduta proscrita, sendo desnecessário avaliar o efetivo prejuízo, impacto ou efeito danoso que o ato objetivamente causou à normalidade e legitimidade do pleito, uma vez que a escorreita exegese da matéria revela que a prática da conduta vedada, per si, representa conduta que a lei presume de forma absoluta ser tendente a comprometer a igualdade de oportunidades nas eleições:
REPRESENTAÇÃO. PREFEITO E VICE-PREFEITO. PRETENSA OCORRÊNCIA DE CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. VIOLAÇÃO AO ART. 275 DO CÓDIGO ELEITORAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. EDUCAÇÃO. NÃO CARACTERIZADA, PARA FINS ELEITORAIS, COMO SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. ART. 73, INCISO V, DA LEI Nº 9.504/97. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES NO PERÍODO DE TRÊS MESES QUE ANTECEDE O PLEITO ELEITORAL. CONFIGURAÇÃO. MERA PRÁTICA DA CONDUTA. DESNECESSÁRIO INDAGAR A POTENCIALIDADE LESIVA. FIXAÇÃO DA REPRIMENDA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
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6. A configuração das condutas vedadas prescritas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 se dá com a mera prática de atos, desde que esses se subsumam às hipóteses ali elencadas, porque tais condutas, por presunção legal, são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, sendo desnecessário comprovar-lhes a potencialidade lesiva.
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(Recurso Especial Eleitoral nº 45060, Acórdão, Relator(a) Min. Laurita Vaz, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 24, Tomo 4, Data 26/09/2013, Página 392)
Sobre a matéria, deve ser consignado que a Lei Complementar nº 64, de 19 de maio de 1990, ao disciplinar o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, dispõe, em seu art. 22, que o “desvio ou abuso” do “poder de autoridade” está sujeito a pedido de representação e apuração perante a Justiça Eleitoral, aclarando o seu inciso XVI que a potencialidade ou não de alteração do resultado da eleição pela prática da conduta abusiva é de apuração desnecessária para configuração do ilícito, bastando a avaliação da “gravidade das circunstâncias que o caracterizam”. Segundo o § 12 do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, o art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 1990, deve ser observado nas representações contra os atos vedados, podendo ser ajuizadas até a data da diplomação.
Registre-se, ainda, que o § 7º do art. 73 da Lei das Eleições tipifica as condutas enumeradas nos incisos do caput do dispositivo como ato de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração, enquadrando-as no inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429, de 1992, sujeitando-se o infrator, pois, às penas estabelecidas no inciso III do art. 12 do mencionado diploma legal: “ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos”, tudo sem prejuízo de eventuais sanções penais, civis e administrativas porventura cabíveis.
Estes, pois, são os vetores legais e constitucionais que devem guiar o exegeta na interpretação dos incisos do art. 73 da Lei das Eleições. De fato, a Constituição Federal de 1988 eleva a soberania popular; a cidadania; o regular exercício dos direitos políticos; o direito ao voto secreto, direto universal e periódico; e a normalidade e legitimidade das eleições; como bases fundantes do pilar sobre o qual se ergue a República Federativa do Brasil, de maneira que representam preceitos caros e ínsitos à própria constituição do Estado Democrático dc Direito. Consoante entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, o abuso do poder político consiste justamente “quando agente público, valendo-se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros”:
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO, DE AUTORIDADE E ECONÔMICO. CONDUTA VEDADA A AGENTES PÚBLICOS. PROVIMENTO PARCIAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA.
Do abuso de poder político e econômico (art. 22 da LC 64/90), do abuso de autoridade (art. 74 da Lei 9.504/97) e das condutas vedadas a agentes públicos (art. 73, IV, VI, b, e § 10, da Lei 9.504/97).
1. Abuso de poder político configura-se quando agente público, valendo-se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros, ao passo que abuso de poder econômico caracteriza-se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou privados, de forma a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre candidatos. Precedentes.
2. Constitui abuso de autoridade infringência ao art. 37, § 1º, da CF/88, segundo o qual publicidade de atos, programas, obras e serviços de órgãos públicos não conterá nomes, símbolos ou imagens que impliquem promoção pessoal de autoridades ou servidores (art. 74 da Lei 9.504/97).
3. É vedado a agente público favorecer candidato mediante a) distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados/subvencionados pela Administração (art. 73, IV, da Lei 9.504/97); b) criação de programa social no ano do pleito sem autorização em lei e execução orçamentária no exercício anterior (§ 10 do art. 73) e c) propaganda institucional de atos, programas e serviços nos três meses que antecedem a eleição (inciso VI, b).
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5. Com advento do instituto da reeleição, é corriqueiro que chefes do Poder Executivo a níveis federal, estadual e municipal, a pretexto de divulgar obras, serviços e outras atividades governamentais, realizem promoção em benefício próprio ou de terceiros visando futura candidatura. Essa conduta, além de absolutamente reprovável pelo uso da Administração Pública como verdadeiro veículo de divulgação pessoal, inserindo o administrador em clara vantagem perante seus adversários com recursos do erário, afronta os principais valores que norteiam a publicidade institucional, a qual deve possuir cunho exclusivamente informativo, educativo ou de orientação social.
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(Recurso Ordinário nº 378375, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 107, Data 06/06/2016, Página 9-10)
Desta maneira, a regra posta no caput do art. 73 da Lei das Eleições, segundo o qual são vedadas as condutas dos agentes públicos “tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entres os candidatos nos pleitos eleitorais” é o axioma que deve ser necessariamente avaliado em cada caso concreto e para a correta interpretação de cada um dos incisos do dispositivo, de maneira que a lisura eleitoral seja efetivamente resguardada contra o uso abusivo da estrutura administrativa estatal.
Ressalte-se, como já consignado, que o exegeta deve harmonizar os preceitos da não interrupção dos serviços públicos e da legitimidade e normalidade das eleições, de forma a resguardar a lisura do pleito sem prejuízo da continuidade da prestação dos serviços públicos. Desta maneira, sobretudo no curso do defeso eleitoral, cumpre ao agente público exercer suas competências de maneira neutra, objetiva, impessoal, preservando o regular funcionamento das repartições e o atendimento ao público, tudo sem comprometer a legitimidade das eleições. Nesta senda, na esteira do precedente do TSE reproduzido neste Parecer, o abuso do poder político se caracteriza justamente nas hipóteses em que “o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros”. Neste sentido, reproduz-se outros precedentes do TSE que salvaguardam a continuidade da execução de políticas públicas no curso do período eleitoral:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, VI, A, DA LEI Nº 9.504/97. ABUSO DE PODER. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. Não ficou caracterizada a conduta vedada descrita no art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/97, pois a transferência de recursos decorreu de lei estadual impositiva, que previu o montante que cada município deveria receber, o prazo para o repasse e a necessidade de fiscalização legislativa mensal, inclusive com eventual responsabilização em caso de descumprimento da norma.
2. À falta de provas robustas em sentido contrário, o estrito cumprimento da lei estadual que determinou, de forma exaustiva, o repasse de recursos a municípios não enseja o reconhecimento de abuso do poder político ou econômico, tendo em vista a inexistência de vínculo entre os fatos e o pleito.
Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(Recurso Ordinário nº 154648, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 45, Data 07/03/2016, Página 44/45)
CHAPA ÚNICA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. DISTRIBUIÇÃO DE BRINDES. COMEMORAÇÃO DO DIA DAS MÃES. AUSÊNCIA DE PROVA DO INTUITO ELEITORAL DO EVENTO. JORNAL. REALIZAÇÕES DO GOVERNO. TRATORES E INSUMOS AGRÍCOLAS. CONTINUIDADE DE PROGRAMA SOCIAL. AULA MAGNA. INAUGURAÇÃO DE OBRA PÚBLICA. DESCARACTERIZAÇÃO. USO DE SÍMBOLO. COMPETÊNCIA. COMPARECIMENTO PESSOAL. ENTREGA DE TÍTULOS FUNDIÁRIOS. ATO DE GOVERNO. VALE SOLIDARIEDADE. PROGRAMA DO GOVERNO ANTERIOR. ENTREGA EM DOBRO NÃO COMPROVADA. CONDUTA VEDADA. SERVIDOR PÚBLICO OU AGENTE PÚBLICO. ESTAGIÁRIOS. CONTRATAÇÃO.
...
5. Não há ilicitude na continuidade de programa de incentivo agrícola iniciado antes do embate eleitoral.
6. Os atos próprios de governo não são vedados ao candidato à reeleição.
7. O ato de proferir aula magna não se confunde com inauguração de obra pública.
8. O alegado maltrato ao princípio da impessoalidade em vista da utilização de símbolo de governo não constitui matéria eleitoral, devendo ser a questão levada ao conhecimento da Justiça Comum. Precedentes.
9. A continuidade de programa social iniciado no governo anterior não encontra óbice na legislação eleitoral, não restando comprovadas, ademais, a alegação de pagamento em dobro do benefício às vésperas da eleição.
10. Ainda que se admita interpretação ampliativa do disposto no art. 73, V, da Lei 9.504/97 é necessário, ao menos, vínculo direto com a Administração.
11. Não comprovada a ligação entre as contratações e a campanha eleitoral, eventuais irregularidades devem ser apuradas em outras instâncias.
12. Recurso ordinário desprovido.
(Recurso Ordinário nº 2233, Acórdão, Relator(a) Min. Fernando Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 10/03/2010, Página 13/14)
1. A PRATICA REGULAR DE ATOS DE GOVERNO NAO VEDADOS POR LEI, NAO AFETA A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES QUE DEVE EXISTIR ENTRE OS CANDIDATOS.
2. EVENTUAIS ABUSOS NA PRATICA DE TAIS ATOS DEVERAO SER OBJETO DE RIGOROSA APURACAO E DEVIDA PUNICAO.
(Representação nº 54, Acórdão de , Relator(a) Min. Fernando Neves, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06/08/1998)
Essas, portanto, são as premissas axiológicas para a escorreita interpretação, subsunção e enquadramento dos atos dos agentes públicos nas infrações tipificadas nos incisos do art. 73 da Lei das Eleições, a qual veda a prática de condutas tendentes à desequilibrar a igualdade das condições de disputa eleitoral, mediante abuso de autoridade e desvio de finalidade, devendo, no entanto, o exegeta resguardar a continuidade da execução dos serviços públicos, inclusive no curso das campanhas eleitorais, exigindo-se dos agentes públicos que adotem posturas neutras, objetivas e impessoais, tudo em prol da garantia de isonômicas condições para a disputa eleitoral.
Vedação ao repasse de Transferências Voluntárias
Feitas estas considerações acerca do caput do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, passa-se ao exame da vedação posta na alínea “a” do seu inciso VI, a qual dispõe em sua literalidade:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
...
VI - nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;
...
§ 3º As vedações do inciso VI do caput, alíneas b e c, aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição.
De plano, deve ser consignado que na esteira da interpretação a contrario sensu do § 3º do art. 73 da lei das Eleições, o efetivo repasse das transferências voluntárias, nas circunstâncias delimitadas pela alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, aplica-se aos Estados e Municípios independentemente da circunscrição do pleito, ou seja, para quaisquer que sejam os cargos em disputa resta proscrita a liberação de transferências voluntárias no período referenciado na lei.
O objeto desta manifestação reside, precipuamente, na interpretação de uma das ressalvas postas na lei, a qual admite explicitamente a transferência voluntária nos casos de emergência e calamidade, bem como nas hipóteses em que há “obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado”.
No entendimento do Parecer AGU nº AC-12, já reproduzido nesta manifestação, para a regular liberação dos recursos pactuados em convênios basta que o gestor verifique se o cronograma de execução da obra ou serviço pactuado estima o início de sua execução antes do período defeso, ou seja, previamente aos três meses da data do pleito, de maneira que seria despiciendo verificar a efetiva execução física da obra ou serviço pactuado no convênio ou instrumento congênere.
Em que pese as razões postas no Parecer nº AC-12, parcialmente referenciadas nesta manifestação (disponíveis em sua integralidade em: http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/8432), observa-se da literalidade da ressalva legal que não basta que haja “cronograma prefixado”, uma vez que a liberação dos recursos no defeso demanda obrigação previamente acordada para execução de “obra ou serviço em andamento”.
É cediço o brocardo segundo o qual a lei não contem palavras inúteis, de maneira que o exegeta deve extrair o sentido semântico dos termos utilizados na redação legal para fins de alcançar a sistemática interpretação das regras que compõem a ordem jurídica. Nesta toada, observa-se que caso a ressalva legal posta na alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei das Eleições não condicionasse o repasse para as obras e serviços “em andamento”, e apenas exigisse que o objeto possuísse “cronograma prefixado”, seria adequada a conclusão do Parecer nº AC-12, uma vez que para tanto a exceção legal teria a seguinte redação: obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço com cronograma prefixado.
Verifica-se, no entanto, que além de “cronograma prefixado”, a redação em vigor da alínea “a” do inciso VI do art. 73 da lei das Eleições demanda a existência de obra ou serviço “em andamento” como condição necessária e cumulativa para a regularidade do repasse dos recursos de transferência voluntária no período defeso, o que não pode ser ignorado pelo intérprete e, assim, remete à inarredável conclusão de que não basta a verificação do prazo estimado para início do objeto no plano de trabalho (cronograma de execução), sendo imprescindível a apuração do efetivo início da execução física do objeto para o repasse dos recursos.
De fato, à luz das premissas postas no tópico antecedente deste Parecer que cuida do caput do art. 73 da Lei das Eleições, deve ser considerado que, via de regra, a efetiva liberação de transferências voluntárias no curso do defeso eleitoral é tipificada como conduta que presumivelmente desequilibra a isonomia do pleito, neste sentido, as ressalvas legais devem ser interpretadas estritamente, de maneira que seja resguardada a legitimidade do sufrágio.
Por conseguinte, considerando que a redação da ressalva legal em exame revela a exigência de que para a regularidade da liberação dos recursos, cumulativamente, deve a obrigação preexistente se relacionar a “execução de obra ou serviço em andamento” e “com cronograma prefixado”, o intérprete deve conferir a devida densidade exegética aos termos utilizados, os quais são manifesta e semanticamente distintos.
Nesta esteira, além de verificar a data prevista para início da execução do objeto posta no plano de trabalho, deve o gestor, como condição para a legalidade da liberação dos recursos, atestar o efetivo princípio da execução física da obra ou serviço antes do curso do defeso, uma vez que ser esta a medida apta para conferir adequada relevância normativa ao conteúdo semântico da expressão legal “em andamento”, distinguindo objetivamente esse requisito da condição cumulativa consignada pela lei na expressão “com cronograma prefixado”.
Verifica-se que o entendimento ora sustentado está em plena consonância com a hodierna jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de exigir-se a execução física da obra ou serviço antes do defeso como condição para o repasse de recursos de transferências voluntárias nos três meses que antecedem o pleito:
Art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/97. Convênio celebrado com o governo do estado para a pavimentação de ruas e construção de casas populares.
Transferência voluntária de recursos no período vedado, destinados à execução de obra fisicamente iniciada nos três meses que antecedem o pleito.
Resolução-TSE nº 21.878, de 2004. À União e aos Estados é vedada a transferência voluntária de recursos até que ocorram as eleições municipais, ainda que resultantes de convênio ou outra obrigação preexistente, quando não se destinem à execução de obras ou serviços já iniciados fisicamente.
Recursos Especiais desprovidos.
(Recurso Especial Eleitoral nº 25324, Acórdão de , Relator(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 17/02/2006, Página 126)
Consulta. Eleições 2006. Convênio. Verbas. Repasse. Período vedado. Impossibilidade.
- É vedada à União e aos estados, nos três meses que antecedem o pleito, a transferência voluntária de verbas, ainda que decorrentes de convênio ou outra obrigação preexistente, desde que não se destinem à execução de obras ou serviços já iniciados.
- Consulta respondida negativamente.
(Consulta nº 1320, Resolução de , Relator(a) Min. Caputo Bastos, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume I, Data 08/08/2006, Página 117)
“Consulta. Matéria eleitoral. Parte legítima.” NE: Consulta: “[...] A questão que ora se submete a este Tribunal é a possibilidade de se liberar recursos para os municípios que não mais se encontram em situação de emergência ou estado de calamidade, mas que necessitam de apoio para atender os efeitos, os danos decorrentes dos eventos adversos que deram causa ou à situação de emergência ou ao estado de calamidade. [...]” “[...] respondo negativamente à consulta para assentar que, por força do disposto no art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/97, é vedado à União e aos estados, até as eleições municipais, a transferência voluntária de recursos aos municípios – ainda que constitua objeto de convênio ou de qualquer outra obrigação preexistente ao período – quando não se destinem à execução já fisicamente iniciada de obras ou serviços, ressalvadas unicamente as hipóteses em que se faça necessária para atender a situação de emergência ou de calamidade pública. [...]”
(Res. no 21.908, de 31.8.2004, rel. Min. Peçanha Martins.)
CONSULTA. ELEIÇÕES 2004. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS ENTRE ENTES FEDERADOS PARA EXECUÇÃO DE OBRA OU SERVIÇO QUE NÃO ESTEJA EM ANDAMENTO NOS TRÊS MESES QUE ANTECEDEM O PLEITO. INCIDÊNCIA DA VEDAÇÃO DO ART. 73, VI, a, DA LEI Nº 9.504/97. DECISÃO REFERENDADA PELA CORTE.
(Consulta nº 1062, Resolução de , Relator(a) Min. Carlos Velloso, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Data 16/09/2004, Página 76)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES MUNICIPAIS. AIJE. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS. PERÍODO ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
- A transferência de recursos dos Estados aos Municípios pode ser realizada dentro dos três meses que antecedem o pleito, desde que tais recursos sejam destinados à execução de obra ou serviço em andamento ou para atender situações de emergência ou calamidade pública (art. 73, VI, a, da Lei das Eleições).
- No caso dos autos, foi celebrado convênio entre a Prefeitura de Medina e o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais para pavimentação de ruas, cujas obras preliminares, a cargo da prefeitura, foram iniciadas em junho de 2004, conforme expressamente consignado no acórdão regional.
- Modificar as conclusões da Corte a quo demanda o revolvimento do acervo fático-probatório, o que não se admite em sede de recurso especial.
- Fundamentos da decisão agravada que não foram devidamente infirmados.
- Agravo regimental a que se nega provimento.
(AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 8324, Acórdão, Relator(a) Min. Marcelo Ribeiro, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 03/04/2008, Página 10)
De fato, exigir-se que apenas a apreciação do cronograma de execução aprovado no plano de trabalho seja condição suficiente e bastante para a legalidade da liberação de transferência voluntária de recursos é entendimento que pode ensejar atos de abuso de autoridade, notadamente nos casos em que o cronograma de execução não seja fiel aos adequados parâmetros técnicos aplicáveis ao caso e, assim, estime o início da execução da obra antes do defeso tão somente para que seja possível admitir a liberação dos recursos nos três meses que antecedem as eleições e, desta maneira, comprometer a lisura do pleito.
A vedação legal posta na alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, visa justamente afastar o comprometimento da normalidade e legitimidade das eleições em razão de assimetria ínsita ao repasse de recursos, ou seja, a igualdade de condições de disputa que deve prevalecer nas campanhas eleitorais não pode ser comprometida pelo abuso de autoridade que é corolário das liberações de recurso com viés nitidamente eleitoreiro.
Nestes termos, para a regular transferência voluntária de recursos nos três meses que antecedem o pleito, deve o gestor avaliar o estrito cumprimento dos requisitos cumulativamente postos na ressalva da alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, de maneira que não basta que haja obrigação formal preexistente com cronograma prefixado, sendo cumulativamente necessário que a execução física da obra ou serviço tenha efetivamente se iniciado antes do curso do defeso.
Conclusão
Ex positis, para os fins das competências postas no art. 40, § 1º, e art. 41, ambos da Lei Complementar nº 73, de 1993 – Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, e na esteira da jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, conclui-se que:
a) o art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, veda que o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, comprometa a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade e normalidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros;
b) nos três meses que antecedem o pleito é vedada a liberação de transferência voluntária, na forma da alínea “a” do inciso VI do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, ressalvando-se, no entanto, a possibilidade jurídica de repasse caso haja obrigação formal preexistente e cronograma prefixado para consecução de obra ou serviço, desde que a execução física do objeto tenha se iniciado anteriormente ao defeso eleitoral; e
c) deve ser aprovada parcial revisão do Parecer nº AC-12, de maneira a fazer prevalecer o entendimento de que para a legalidade do repasse de transferência voluntária no curso do defeso eleitoral não basta a previsão de obrigação formal preexistente e de cronograma prefixado, uma vez que o efetivo início da execução física da obra ou serviço é condição legal que deve ser cumulativa e necessariamente observada, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
Brasília, 26 de fevereiro de 2019.
VICTOR XIMENES NOGUEIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.4.2019