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Presidência
da República |
DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCESSO Nº
00400.000266/2018-87
INTERESSADO: Caixa Econômica Federal
PARECER Nº GMF-07(*)
Adoto, nos termos do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER N. 0002/2018/CGU/AGU e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40 da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.
Em 28 de março de 2018.
GRACE MARIA FERNANDES MENDONÇA
Advogada-Geral da União
____________
(*) A respeito deste Parecer o Excelentíssimo Senhor Presidente da República
exarou o seguinte despacho. "Aprovo. Em 29-III-2018"
Parecer nº 2/2018/Gab/CGU/AGU
NUP: 00400.000266/2018-87
INTERESSADA: Caixa Econômica Federal.
ASSUNTO: Oferecimento dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios a
título de garantia em operações de crédito celebradas entre entes subnacionais e
instituições financeiras federais.
Ementa:
escopo da manifestação jurídica. interpretação da Constituição e demais atos
normativos a ser uniformemente seguida. possibilidade de oferecimento dos fundos
de participação dos estados e dos municípios a título de garantia em operações
de crédito celebradas entre entes subnacionais e instituições financeiras.
Interpretação do art. 167, inciso IV e § 4º, da Constituição.
Exma. Sra. Advogada-Geral da União,
I - RELATÓRIO
1.Trata-se do Ofício nº 98/2018/CAIXA (fls. 1-4), encaminhado pela Caixa Econômica Federal à Exmª Srª Advogada-Geral da União, tendo como anexos "PJ DIJUR 001/2018" (fls. 05 a 19) e "Nota Técnica Operações com Entes Públicos" (fls. 20 a 22).
2.Em síntese, a questão trata da viabilidade ou não da realização de operações de crédito por bancos públicos com os respectivos entes federados mediante a utilização, para fins de garantia, dos recursos relativos aos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios - arts. 158 e 159 da CF/88.
3.Conforme se vê no "PJ DIJUR 001/2018", a Caixa entende pela viabilidade da
utilização, em operações de crédito para fins de garantia por ela promovidas,
dos recursos relativos aos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.
Argumenta-se, em suma, que os recursos advindos de tais repasses são de
titularidade própria do ente destinatário e não estão sujeitas à vedação de
vinculação de receitas tratada no inciso IV art. 167 da CF/88. Menciona a Caixa
precedentes judiciais, com destaque para o acórdão proferido no RE nº 184.116
(Relator Ministro Marco Aurélio).
4. Ocorre que, conforme externado na "Nota Técnica Operações com Entes
Públicos", "em razão de interpretação restritiva dada ao dispositivo
constitucional pelo Ministério da Fazenda, o Conselho de Administração da CAIXA
determinou, por proposta de sua Presidente, a suspensão dessas operações até que
haja um consenso sobre o tema, mantendo apenas aquelas que contam com garantia
da União."
5. Dessa forma, no "Ofício nº 0098/2018/CAIXA", explicitou-se que tal
providência tem provocado relevantes impactos na manutenção das atividades dos
entes estatais, frisando-se que "existem hoje no estoque de contratações com o
Setor Público, mais de R$ 60 bilhões em operações de crédito com a aplicação de
recursos nas atividades sociais com Estados e Municípios, sendo que dessas, mais
de R$ 42 bilhões (ou seja: cerca de 2/3 do total) foram viabilizadas a partir da
utilização da garantia apontada."
6. Nesse cenário, por meio do Ofício nº 0098/2018/CAIXA, essa instituição
bancária solicitou a análise e a emissão de parecer sobre o tema por parte da
Advocacia-Geral da União, com base na Lei Complementar nº 73/1993, a fim de
conferir segurança jurídica à matéria no âmbito da Administração Pública
Federal.
7. Dito isso, vale registrar que tramita no Tribunal de Contas da União o
processo administrativo TC 005.218/2018-7, instaurado a partir de representação
do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, para apurar eventual
irregularidade em operações de crédito de entes subnacionais tendo como garantia
a vinculação de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo
de Participação dos Municípios (FPM).
8. Nessa representação, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da
União pleiteou que fosse determinado, em sede de cautelar, que as instituições
financeiras federais deveriam se abster de firmar contratos de financiamento com
entes subnacionais tendo como garantia a vinculação de receitas do FPE e FPM,
bem como que o Banco Central do Brasil deveria informar a todas as instituições
financeiras sobre a impossibilidade de realização desse tipo de operação. No
mérito, o aludido órgão pugna pela procedência da representação, com a
confirmação do seu pedido cautelar.
9. Em sequência, o eminente relator, Ministro José Múcio, concluiu que havia
"dúvidas razoáveis acerca da existência dos pressupostos para adoção da medida
cautelar pleiteada na inicial"e determinou a oitiva prévia do Banco Central do
Brasil, da Caixa, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do
Banco do Brasil, do Banco do Nordeste do Brasil, do Banco da Amazônia e da
Secretaria do Tesouro Nacional, a fim de "obter elementos adicionais para a
formação do juízo de cognição sumária, antes de resolver pela necessidade ou não
de suspender a concessão dos financiamentos em questão".
10. No âmbito do referido processo administrativo, a Caixa, mediante o Ofício nº
9/2018/DIUR/CAIXA, corroborou o seu entendimento sobre o tema no sentido de ser
juridicamente viável, em operações de crédito por ela promovidas, a utilização,
para fins de garantia, dos recursos relativos aos Fundos de Participação dos
Estados e dos Municípios, do que se destaca:
- Como regra, a Constituição Federal veda a vinculação de receitas próprias de impostos a órgãos, fundo ou despesa, excepcionando expressamente a repartição do produto de arrecadação dos impostos a que se referem os artigos que tratam do FPM e FPE na forma do art. 167, inciso IV, da Constituição da República;
-É permitida a vinculação inclusive de receitas próprias de impostos para prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos com esta(art. 167, §4° da Constituição da República);
-Na jurisprudência é farto o entendimento de que Estados e Municípios, por intermédio de seu Poder Executivo e devidamente autorizado por Poder Legislativo respectivo, podem oferecer garantias às instituições financeiras com base no FPM e FPE.
5. Nesta linha,há mais de 20 (vinte) anos a CAIXA vem operando com Estados, Municípios e Distrito Federal com base em tal entendimentoque, inclusive, já contou com o respaldo de julgamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 184.116, julgado em 07/11/2000.
6.Em razão de interpretação restritiva dada ao dispositivo constitucional pelo Ministério da Fazenda, o Conselho de Administração da CAIXA determinou, por proposta de sua Presidente, a suspensão dessas operações até que haja um consenso sobre o tema, mantendo apenas aquelas que contam com garantia da União[...].
13. Dessa forma, a suspensão das operações de crédito a entes públicos prejudica a população brasileira, sendo imperiosa a sua retomada no menor espaço de tempo possível, de maneira a não prejudicar ainda mais a atual situação de dificuldade verificada nos Estados e Municípios brasileiros [...].
14 [...] CAIXA possui entendimento, conforme adiante será melhor desenvolvido, quea vedação contida na Carta Maior (CF, art. 167, IV) somente se refere à vinculação de impostos próprios para a prestação de garantias em contratos de empréstimos com Instituições Financeiras; situação diversa daquela posta na r. Representação, portanto [...].
(Grifou-se).
11.Instado a se manifestar, o Banco Central do Brasil, mediante o Parecer Conjunto 174/2018-BCB/Difis/PGBC, não adentrou o mérito da questão jurídica em destaque. O Bacen manifestou, em aferição das operações da Caixa em 2017, que o acionamento da garantia concedida teria apresentado baixa execução, por volta de 3% (três por cento) a 4% (quatro por cento) do saldo devedor global, senão vejamos:
13. Ademais, a discussão de que trata o vertente processo envolve, na essência, a organização das finanças públicas e sua relação com o sistema tributário nacional, dentro do Título "Da Tributação e Do Orçamento' da Constituição de 1988.Tais matérias extrapolam a área de atuação desta Autarquia, que não detém atribuições em matéria tributária, fiscal e orçamentária. Pondera-se, destarte, que, por abranger controvérsia jurídica, a análise do assunto mais se amolda às atribuições constitucionais e legais da Advocacia-Geral da União, que, por seus órgãos competentes, mostra-se apta a prestar à Corte de Contas os pertinentes subsídios na matéria.
14.Assim, o BCB pede vênia para deixar de apresentar contribuição mais específica em relação à correta intepretação do art. 167 da Constituição- aspecto relacionado com o requisito dofumus boni iurispara eventual concessão da medida cautelar - por lhe falecer competência legal e até mesmo expertise no tema [...].
45. Importante destacar que,no caso específico da Caixa (principal agente concedente desse crédito), tem-se mostrado muito baixa a necessidade de recorrer ao bloqueio ou débito de saldo. Levantamento nas operações da Caixa no decorrer de 2017 apontou que as execuções de garantia (bloqueio de saldo) são raras. De um saldo estimado de fluxo de recebimento das parcelas das operações de crédito de R$ 190 milhões mensais, apenas cerca de 3% a 4% do saldo devedor global é pago em atraso com o acionamento da garantia.
(Grifou-se).
12.Outrossim, nos autos do processo administrativo TC 005.218/2018-7, a Secretaria do Tesouro Nacional, mediante a Nota nº 7/2018/COPEM/SURIN/STN/MF-DF, destaca que os aspectos jurídicos do caso não seriam abordados em razão do Memorando SEI nº 11/2018/PGFN-MF, tendo tratado das competências daquela Secretaria e dos riscos da União diante da situação fiscal dos entes subnacionais, do novo sistema de garantias da União e dos resultados decorrentes da discussão judicial da execução de garantias e contragarantias. Em síntese, a STN concluiu que:
72. A deterioração da situação fiscal pode: (i) ampliar a pressão sobre o sistema de garantias da União, que, embora esteja sendo reformulado para evitar o risco dos Estados e Municípios em pior situação, pode ser alvo de novos questionamentos judiciais que coloquem em discussão parte importante dos haveres do Governo Federal; e (ii) aumentar a competição entre a União e seus bancos pelas garantias oferecidas pelos entes subnacionais, podendo afetar os fluxos de dividendos e aportes de capital desses bancos com o Tesouro.
73. Posto isso, a utilização dos recursos próprios e dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios pelos bancos públicos federais como garantias dos pagamentos pode viabilizar a concessão de créditos para entes que podem não conseguir honrar seus pagamentos, os quais, destaque-se, serão feitos por uma gestão posterior que não opinou sobre sua contratação ou sobre o uso dos recursos.
74. Além disso, a viabilidade financeira dos bancos públicos federais, assim como todo o sistema financeiro nacional, é garantida, em última instância, pela União. Caso se ampliem os eventos de defaults, ela precisará, para proteger a estabilidade macroeconômica e viabilizar o crescimento e o emprego, elaborar recorrentes políticas de resgate, que trazem consigo efeitos deletérios de risco moral de tal monta que é recomendado, sempre que possível, evitar o manejo continuado dessas políticas.
13.É o relatório.
II-DA FUNDAMENTAÇÃO
14.A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade
assessorada na interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos
demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação.
15.A função do parecer ora subscrito, focado exclusivamente na interpretação do
art. 167, IV e § 4º, da Constituição, é avaliar a possibilidade jurídica de
apresentação dos fundos de participação constitucional pelos entes subnacionais
em garantia a operações de crédito. Considerada a complexidade do ato, que não
se encerra no viés jurídico, eventuais riscos sistêmicos atinentes ao equilíbrio
fiscal da federação ou ao Sistema Financeiro Nacional ficam adstritos à
competência da Secretaria do Tesouro Nacional e do Banco Central do Brasil,
respectivamente.
a.O OFERECIMENTO DO FPE E DO FPM COMO FORMA DE GARANTIA À LUZ DO ART. 167,
INCISO IV E § 4º, DA CONSTITUIÇÃO
16.Ao estabelecer as matérias e condutas que são vedadas na elaboração dos
orçamentos, a Constituição proíbe a vinculação de receitas de impostos a órgão,
fundo ou despesa, com exceção das ressalvas previstas no inciso IV do art. 167:
Art. 167. São vedados:
(...)
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa,ressalvadasa repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;
17.Como deixa entrever o texto constitucional, a afetação da receita dos
impostos somente é admitida, em caráter taxativo, nos casos de1: i) repartição
constitucional dos impostos; ii) destinação de recursos para a saúde,
desenvolvimento do ensino e atividade de administração tributária; iii)
prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita; e iv)
oferecimento de garantia e contragarantia à União e pagamento de débitos com
esta.
18.É fundamental observar que a participação dos Estados, Distrito Federal e
Municípios na receita tributária da União e dos Estados por meio dos fundos
constitucionais, regulada pelo art. 159 da Constituição, foi ressalvada
expressamente da vedação de vinculação das receitas dos impostos prevista no
art. 167, inciso IV, da Carta.
19.Essa exceção constitucional se justifica pelo fato de as transferências
constitucionais do art. 159 da Constituição não constituírem receitas derivadas
do poder impositivo dos Estados, Distrito Federal e Municípios, mas sim produto
de repasse constitucional decorrente do federalismo de cooperação.
20.Os valores resultantes da aplicação dos percentuais incidentes sobre o
produto da arrecadação dos impostos federais transferidos aos Estados, Distrito
Federal e Municípios são recursos próprios desses entes, porém não são receitas
oriundas de sua competência tributária.
21.É por essa razão que o inciso IV do art. 167 da Constituição afasta, de forma
peremptória, a vedação constitucional de vinculação da receita de impostos a
órgão, fundo ou despesa quando se tratar da repartição constitucional de
impostos - notadamente a participação nos Fundos - regulada pelo art. 159 da
Carta Política.
22.De fato, os recursos dos fundos de participação não têm natureza de receita
de impostos para fins de incidência do art. 167, inciso IV, Constituição, como
bem ponderado por Gustavo Binenbojm2:
Sabe-se que o FPE e o FPM, de fato, são nutridos por receitas de impostos
federais (Imposto de Renda - IR e Imposto sobre Produtos Industrializados -
IPI), nos termos do disposto no art. 159 da Constituição. Diante disso,
questiona-se se os recursos repassados pela União, no bojo do FPE e do FPM,
seriam impostos, sujeitos ao princípio da não vinculação. A resposta é negativa.
Nada obstante os fundos de participação tenham origem fiscal, não é correto
dizer que os seus recursos mantenham tal natureza quando ingressam nos cofres
dos Estados e Municípios. Em verdade, após sua regular constituição e
distribuição, os fundos revestem-se de natureza meramente contábil, sendo típica
receita pública do ente federativo que a recebe. Em outras palavras: quando os
recursos do FPE ou do FPM são transferidos do Tesouro Nacional para os Estados e
Municípios, deixam de ser receita de impostos. Até mesmo porque aqueles entes
não têm qualquer ingerência sobre tais exações federais dirigidas aos fundos de
participação. Eles apenas participam do resultado final do montante arrecadado
pela União. Por isso, tais valores são contabilizados nos cofres estaduais e
municipais não como receitas de impostos, mas como transferências
intergovernamentais. E é justamente por essa razão que não se lhes aplica a
vedação do inciso IV do art. 167.
23.Partindo dessa premissa fundamental, é fora de dúvida que Estados, Distrito
Federal e Municípios possuem autorização constitucional para vincular, nos
limites de sua autonomia orçamentária e financeira, suas quotas sobre receitas
provenientes dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios listadas no
art. 159 da Constituição.3
24.A possibilidade de vinculação dos recursos entregues aos Fundos de
Participação regulados pelo art. 159 da Constituição significa que os entes
subnacionais podem destinar suas quotas em tais recursos para oferecimento de
garantia ou contragarantia em suas operações - inclusive aquelas celebradas
diretamente com as instituições financeiras.
25.No exercício da autonomia consagrada no art. 18,caput,da Constituição, os
Estados, Distrito Federal e Municípios podem dispor sobre a aplicação e eventual
afetação dos recursos ligados aos Fundos de Participação. Assim sendo, mostra-se
possível a utilização de suas quotas nesses Fundos do modo que melhor lhes
aprouver, vinculando-as como garantia em seus negócios jurídicos, nos termos de
prévia autorização legislativa, se assim corresponder às necessidades próprias e
ao interesse público.
26.A respeito, merece ser trazida à baila decisão do Tribunal de Contas do
Estado de Minas Gerais relacionada ao Fundo de Participação dos Municípios:4
(...) A receita decorrente do FPM é classificada como transferência, o que não
se confunde com receita de impostos, esta, sim, impossível de ser vinculada
previamente a órgão, fundo ou despesa. (...) Essa transferência é composta por
dois impostos - de Renda e Sobre Produtos Industrializados - ambos de
competência da União. No entanto, relativamente aos municípios, esses recursos
não constituem receita de seus impostos, uma vez que foge à sua competência a
respectiva arrecadação, ingressando em sua Receita como transferências
intergovernamentais.'
Dessa forma, desde já, firmo o entendimento de que o inciso IV, do art. 167, da
Carta Magna, e, por conseguinte, a Súmula TCMG nº 96, não se aplicam aos
recursos do FPM, pois estes recursos, no âmbito do município,não são receitas de
impostos, mas sim receitas correntes provenientes de transferências
governamentais. Portanto, respondo o primeiro questionamento do Consulente, no
sentido de quenada impede que o município vincule percentual do FPM para custear
despesa com contribuição devida a Associação de Municípios.
(Grifou-se).
27.As razões de decidir ora descritas impõem a conclusão de que a vedação de
vinculação das receitas de impostos a órgãos, fundos e despesas abrange apenas o
produto dos impostos arrecadados na competência do próprio Estado ou Município
que os esteja a vincular, tendo a sua participação nos Fundos, regulada pelo
art. 159 da Constituição, sido ressalvada pelo próprio texto constitucional no
art. 167, inciso IV.
28.Na esteira desse raciocínio, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal já
reconheceu a legitimidade da vinculação de recursos oriundos de repartição
constitucional,in verbis:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MOLDURA FÁTICA. Na apreciação do enquadramento do
recurso extraordinário em um dos permissivos constitucionais, parte-se da
moldura fática delineada pela Corte de origem. Impossível é pretender
substituí-la para, a partir de fundamentos diversos, chegar-se a conclusão sobre
o desrespeito a dispositivo da Lei Básica Federal. CONDENAÇÃO JUDICIAL - ACORDO
- PARCELAMENTO. Em se tratando de acordo relativo a parcelamento de débito
previsto em sentença judicial, possível é a dispensa do precatório uma vez não
ocorrida a preterição. ACORDO - DÉBITO - ICMS - PARTICIPAÇÃO DO
MUNICÍPIO.Inexiste ofensa ao inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, no
que utilizado o produto da participação do município no ICMS para liquidação de
débito. A vinculação vedada pelo Texto Constitucional está ligada a tributos
próprios.
(RE n° 184116, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em
07/11/2000, DJ 16-02-2001 PP-00139 EMENT VOL-02019-02 PP-00419).
29.Ao lado dessa autorização de afetação de receitas na participação dos fundos,
o § 4º do art. 167 da Constituição permite a vinculação em favor da União de
receitas tributárias próprias dos Estados e dos Municípios, bem como os repasses
previstos nos arts. 157, 158 e 159, inciso I,aeb, e II da Carta Magna, para fins
de garantia ou contragarantia e pagamento de débitos.
30.Pela sua relevância, cumpre transcrever o dispositivo em questão:
§4º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostosa que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para aprestação de garantia ou contragarantia à Uniãoe parapagamento de débitos para com esta.
(Grifou-se).
31.Como se percebe, o texto constitucional permite que a União aceite como
garantia e contragarantia os recursos repassados ao FPE e ao FPM com base nos
incisos I, alíneasaeb, e II do art. 159, podendo, em caso de inadimplência,
satisfazer diretamente seus créditos por meio da apropriação desses valores.
32.Logo, podem os entes subnacionais, quando celebram contrato com a União,
oferecer de forma livre e espontânea suas quotas nos respectivos fundos como
garantia ou contragarantia e, nesse caso, a União, por expressa autorização
constitucional, pode honrar e amortizar o débito em caso de não cumprimento da
obrigação contratual.
33.Situação diferente ocorre quando as quotas dos fundos de participação são
oferecidas a título de garantia ou contragarantia em operação com outros
sujeitos que não a União. Nessa hipótese, os entes subnacionais, devidamente
autorizados por lei estadual ou local, oferecem um determinado percentual das
quotas dos fundos de participação apenas como garantia contratual.
34.Em outros termos, o repasse direto dos valores dos fundos de participação
como forma de extinção da obrigação contratual sem o aporte na contabilidade dos
entes subnacionais só é admitida em contratos firmados com a União, por força do
§ 4º do art. 167 da Constituição.
35.Há de se alertar, por fim, que a execução das quotas dos fundos de
participação dadas em garantia nos contratos nos quais a União não figura como
parte não enseja ofensa ao art. 160 da Constituição. É que o escopo desse
preceito constitucional é assegurar a autonomia entre os entes federados por
meio da vedação de retenção ou restrição à entrega dos recursos por parte do
ente repassador. Portanto, a norma destina-se à União e aos Estados no âmbito da
repartição de receitas tributárias.
36.Nesse sentido, já se manifestou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região,in
verbis:
TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO. CONTRIBUIÇÕES AO FGTS. LEI Nº 5.107/1966 E LEI Nº 8.036/1990. SERVIDORES CELETISTAS. AUSÊNCIA DE OPÇÃO PELO FGTS. DIREITO ASSEGURADO PELA CF/1988. ESTABILIDADE CONFERIDA PELO ART. 19 DO ADCT. RETENÇÃO DE COTAS DO FPM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. De acordo com o art. 2º da Lei nº 5.107/1966, todas as empresas eram obrigadas a depositar o valor da contribuição ao Fundo, fosse o empregado optante ou não. A conta era aberta em nome da empresa, com depósitos individualizados para cada empregado não optante.
2. A partir da Constituição de 1988, o FGTS passou a ser direito de todo trabalhador, nos termos do art. 7º, inciso III. Os empregados que permaneceram no mesmo emprego sem exercer a opção pelo FGTS, submetem-se a dois regimes diversos: o anterior até 05/10/1988, não optante, e o posterior, optante. Desde a vigência da Constituição, o único regime passou a ser o FGTS para os trabalhadores regidos pela CLT, de sorte que é despicienda a existência de documento formalizando a opção do empregado.
3. Antes da Constituição de 1988, não havia óbice à adoção simultânea do regime estatutário e do regime trabalhista na contratação de servidores/empregados públicos. A existência de quadro de pessoal ocupante de cargos públicos (regime estatutário) não exclui a possibilidade de que o Município também celebrasse contratos trabalhistas.
4. Improcede o argumento de que, após a Constituição de 1988, os servidores públicos não fazem jus ao FGTS. A estabilidade outorgada pelos arts. 19 do ADCT e 41, caput, da CF/1988, não converte automaticamente o regime celetista em estatutário. A intenção do art. 19 do ADCT não foi o de transformar empregos em cargos públicos, mas unicamente de estabilizar os funcionários regidos pela CLT, até que se adequassem ao art. 39 da CF/1988, submetendo-se a concurso público para ingressar no regime estatutário.
5. Não afronta o artigo 160 da CF/88 a realização de parcelamento garantido por cotas do Fundo de Participação dos Municípios. A retenção de cotas do FPM não resulta de imposição, mas de livre opção do próprio autor, ao assinar o acordo com a CEF, com base em previsão legal. O art. 27 da Lei Complementar nº 77/1993 autoriza a retenção do FPM, por opção do Município devedor, para fins de amortização da dívida para com o FGTS.
6. Tendo em mente que a lide envolve dois entes públicos (a CEF atua como gestora do FGTS), a moderação deve imperar, adotando-se valor que não onere demasiadamente o vencido e remunere merecidamente o patrono do vencedor na demanda. O elevado valor da causa implicaria excessiva oneração do Município, caso fosse utilizado esse parâmetro de valoração.
(TRF4, APELREEX 2001.70.00.038674-7, PRIMEIRA TURMA, Relator JOEL ILAN PACIORNIK, D.E. 27/06/2012).
37.Como bem demonstrado na decisão acima, a retenção de cotas na situação de sua
oferta pelos entes subnacionais em garantia de operações de crédito resulta do
exercício da autonomia federativa do ofertante, mediante a feitura de negócio
jurídico autorizado em lei com a instituição financeira eleita.
38.Em resumo, a manifestação ora apresentada, resguardando a segurança jurídica,
mantém a interpretação que já era adotada, há mais de 20 (vinte) anos, quanto à
possibilidade jurídica da realização de operações de crédito por entes
subnacionais, com outros sujeitos que não a União, tendo como garantia a
vinculação de recursos do FPE e do FPM.
39.Destarte, o Banco Central do Brasil declarou que, após aferição das operações
da Caixa em 2017, houve baixo uso das quotas de fundos concedidas em garantia.
Apenas 3% (três por cento) a 4% (quatro por cento) do saldo devedor global foram
bloqueados.
40.Quanto aos eventuais riscos apontados pela Secretaria do Tesouro Nacional,
nada impede que esse órgão, dada a sua atribuição atinente ao equilíbrio
financeiro do Tesouro Nacional e à administração das dívidas públicas mobiliária
e contratual, proponha futuros instrumentos de equalização do cenário
apresentado.
41.A adoção de medidas que na prática se traduzam em vedação de acesso ao
crédito pelos entes subnacionais, sem amparo no texto constitucional, geraria
uma situação de desequilíbrio federativo igualmente não desejável, ofensiva à
organização político-administrativa assegurada no art. 18 da Constituição,
podendo comprometer, inclusive, o princípio da segurança jurídica e o seu
corolário do ato jurídico perfeito.
42.Dois grandes princípios podem ser extraídos da interpretação da Suprema Corte
no tocante a relação federativa, quais sejam, a valorização da autonomia dos
entes federados e, por outro lado, a responsabilidade diferenciada da União em
um federalismo de cooperação.5Tal orientação jurisprudencial, por sua força
persuasiva, também deve nortear a presente questão. Afinal, a interpretação do
art. 167, IV e § 4º, da Constituição, deve considerar a autonomia dos entes
subnacionais, notadamente, na utilização dos recursos do FPM e FPE que lhe são
próprios, sem desconsiderar a importância de se buscar o melhor equilíbrio entre
a utilização dessa garantia e a situação fiscal do ente federativo.
III-CONCLUSÃO
43.A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade
assessorada na interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos
demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação, no
caso, a interpretação do art. 167, IV e § 4º, da Constituição. Considerada a
complexidade do ato, que não se encerra no viés jurídico, eventuais riscos
sistêmicos atinentes ao equilíbrio fiscal da federação ou ao Sistema Financeiro
Nacional ficam adstritos à competência da Secretaria do Tesouro Nacional e do
Banco Central do Brasil, respectivamente.
44.Realizadas as considerações acima, conclui-se que, nos termos do art. 167, IV
e § 4º, da CF, os recursos vinculados a fundos de participação, ofertados pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios, podem ser aceitos como garantia nas
operações celebradas por entes subnacionais com as instituições financeiras
federais.
45.Quanto aos eventuais riscos apontados pela Secretaria do Tesouro Nacional,
nada impede que esse órgão, dada a sua atribuição atinente ao equilíbrio
financeiro do Tesouro Nacional e à administração das dívidas públicas mobiliária
e contratual, proponha futuros instrumentos de equalização do cenário
apresentado.
46.A adoção de medidas que na prática se traduzam em vedação de acesso ao
crédito pelos entes subnacionais, sem amparo no texto constitucional, geraria
uma situação de desequilíbrio federativo igualmente não desejável, ofensiva à
organização político-administrativa assegurada no art. 18 da Constituição,
comprometendo, inclusive, o princípio da segurança jurídica e o seu corolário do
ato jurídico perfeito.
47.A interpretação do texto constitucional deverá considerar a autonomia dos
entes subnacionais, notadamente, na utilização dos recursos do FPM e FPE que lhe
são próprios, sem desconsiderar a importância de se buscar o melhor equilíbrio
entre a utilização dessa garantia e a situação fiscal do ente federativo.
Brasília, 26 de março de 2018.
ANDRÉ RUFINO DO VALE
CONSULTOR DA UNIÃO
MARCELO AUGUSTO CARMO DE VASCONCELLOS
CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO
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1- Além das hipóteses elencadas no art. 167 da Constituição, são admitidas a
vinculação de receitas de impostos nos arts. 204, parágrafo único, e 216, § 6º.
2- BINENBOJM, Gustavo. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro
- v. 2, n. 7 (jan./jun. 2014) Rio de Janeiro: O Tribunal.
3- Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer
natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na
seguinte forma:
a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos
Estados e do Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos
Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor
produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas
instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais
de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos
recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no
primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;
e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue
no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano;
II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez
por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das
respectivas exportações de produtos industrializados.
III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio
econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os
Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a
destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.
§ 1º Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto
no inciso I, excluir-se-á a parcela da arrecadação do imposto de renda e
proventos de qualquer natureza pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I.
§ 2º A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte
por cento do montante a que se refere o inciso II, devendo o eventual excedente
ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o
critério de partilha nele estabelecido.
§ 3º Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento
dos recursos que receberem nos termos do inciso II, observados os critérios
estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II.
§ 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado,
vinte e cinco por cento serão destinados aos seus Municípios, na forma da lei a
que se refere o mencionado inciso. 4 - Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerais - TCE/MG, Processo nº 809502, Consulta. Conselheiro Relator: Antônio
Carlos Andrada.
5- Uma coletânea dessas decisões pode ser encontrada na manifestação da STN em
capítulo próprio (itens 64 e seguintes).
Este texto não substitui o publicado no DOU de 4.4.2018